quinta-feira, novembro 29, 2007

O homem da cartola

Do bolso tiro uma mortalha. Um homem com aspecto de vagabundo, oferece-me um cigarro.
Sento-me junto dele e a conversa surge como um novelo de lã infinito que se faz desenrolar.
O nome dele é Moisés, como o da bíblia. Este, porém é um homem rico de sabedoria, com uma visão muito boa e real da sociedade.
Moisés é vagabundo por opção, diz-se sábio porque nasceu na rua. Não sabe falar um português polido, escreve num cadernos velho, a sua caligrafia é extremamente bonita, ao contrário da forma como fala, a sua maneira de escrever é poética e limpa de preconceitos.
Moisés sabe ouvir e sabe dar aquela palavra. Tem o dom de saber olhar de frente, olhos nos olhos.
Começo eu a falar da vida como se o conhecera antes, como se ele soubesse do que falo e do que represento. Fico espantado quando o vejo a compreender tudo aquilo que digo e descrevo.
O charro está pronto e Moisés diz-me nos olhos – “Partilhas comigo?” Ao que responde – “Não me passou pela cabeça não o fazer!”
O charro morreu, ao que olhar para o chão, me diz muito calmamente – “A sociedade é isto!” eu questiono – “Isto o quê?” – Moisés – “Vivemos numa sociedade morta, sem sentimentos!”
Levantei-me e digo-lhe que me vou embora, Moisés tira a sua cartola negra como quem se despede e diz-me – “Moro por ai! Até breve!” - eu respondo-lhe com um brilho nos olhos – “Até breve avô!”
Viro costas e quando olho para trás, vou observando o velho “mágico” a desaparecer lentamente por entre uma multidão que embate dele a cada passo!

10 Dias depois.
Sentei-me no mesmo banco, do primeiro encontro. Desejo que ele apareça. Moisés senta-se e diz – “É a minha vez!” – começa a fazer um charro e a conversa é mágica, limito-me a absorver todas as suas histórias e toda a sua cultura. A cada palavra que vai surgindo, sinto-me mais rico!
Questionei-lhe porque não queria levar uma vida “normal”, ao que me responde com um olhar rico – “Eu tenho a vida normal!” – Tenho de concordar. A vida dele é a vida dele!
Todos os dias que me sento no carro, sinto falta do conforto do banco e das conversas com Moisés! Já passou algum tempo desde o ultimo encontro. O velho da cartola que tanto admiro, o sábio magico com o poder de compreender as coisas simples da vida, está sempre lá!!
Moisés é um amigo criado pela minha imaginação, as conversas mantidas entre ambos são trabalho da minha mente confusa e abstracta. Conversas que sempre quis ter com esta personagem, são conversas que ainda hoje tenho. Talvez Moisés seja um pedaço da minha pessoa, talvez seja aquilo que por vezes quero ser, talvez seja a minha tentativa de fuga desta sociedade falsa, deste mundo de pessoas estranhas!

Obrigado Moisés! Ou será, Obrigado imaginação?

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